"Nem todos os pais são heróis. Mas todo filho tem o direito de tentar sobreviver ao silêncio que fica." – Eliane Brum
Este é um dos desabafos mais profundos da minha alma. Uma tentativa de fazê-la parar de se rasgar, de compreender, enfim, que o seu papel não é preencher essa lacuna com distrações ou amores passageiros, mas aprender a conviver com o que faltou.
Não escrevo para resolver nada — não há o que resolver —, tampouco para buscar uma reconciliação onde ela ainda não existe. Escrevo para liberar o peso que carrego em silêncio, para dar voz ao vazio que moldou parte de quem sou.
É um relato de quem precisou aprender a amar sem referências, a se reconstruir sem espelhos, a seguir sem mapas ou pegadas. O título, "Apesar de tudo, te amo", é uma escolha consciente de libertação. É admitir que o amor, por mais ferido que esteja, pode continuar existindo — não como ideal, mas como resistência. Às vezes, ele se manifesta na saudade, na ausência não preenchida, na tentativa contínua de não deixar o coração se fechar por completo.
Eu cresci sentindo a ausência dele. Aquele que deveria ter sido meu primeiro exemplo de amor, de proteção, de força. A figura que, em teoria, me mostraria que tipo de homem mereceria estar ao meu lado. Mas tudo isso se tornou apenas um conjunto de ideias vagas, distantes, sem forma concreta. No lugar de referências, ficou um vazio — e com ele, a necessidade urgente de preenchê-lo com algo.
O amor construído sobre ausências nunca é inteiro. Ele carrega a ansiedade de ser suficiente, mas quase nunca é. Falta sempre um pedaço — aquele que deveria ter sido dado lá no começo, e que não se recupera com substituições.
Mas de uns tempos pra cá, conforme fui crescendo, meu pai começou a tentar recuperar o tempo perdido. Vieram algumas mensagens, ligações, palavras que antes não existiam. Mas nunca veio a presença física. Nunca o abraço, o olhar nos olhos, a sensação de estar ali, de verdade. E, apesar de tudo, eu o entendo. Moramos a 2.436 quilômetros de distância — e talvez essa distância geográfica tenha se tornado, com o tempo, um símbolo da distância emocional que sempre existiu entre nós. Ele tenta, da forma que consegue, e eu tento, da forma que posso, entender e aceitar. Mas a verdade é que a ausência, quando cresce junto com a gente, não se resolve com palavras. Ela precisa de presença. E, nesse caso, ela nunca veio por completo. E está tudo bem.
Esse texto ficou guardado na gaveta por dois meses. Porque escrever sobre ele — meu pai — sempre foi escrever sobre mim. E nem sempre a gente está pronta para se encarar por inteiro. Hoje, porém, percebo que não preciso mais fugir do que me faltou. A ausência dele me atravessou, sim, mas não me paralisou. Ela me moldou de formas silenciosas, e por muito tempo eu tentei resistir a isso. Agora, aceito. Porque crescer também é isso: aceitar que algumas respostas não virão, que alguns vazios não se preenchem — mas ainda assim, a vida continua.
Dizer "apesar de tudo, te amo" não é negar a dor. É admitir que o amor, às vezes, sobrevive em meio aos escombros. Que ele não precisa ser pleno para ser verdadeiro. Esse amor que eu sinto — mesmo que fraturado, mesmo que construído na ausência — é o que me impede de endurecer. Ele é meu ponto de humanidade, de vulnerabilidade, de resistência.
E se esse amor não for correspondido da maneira como eu gostaria, tudo bem. Porque hoje eu compreendo que amar também é se libertar. E eu escolho não carregar mais o peso do que poderia ter sido. Eu escolho seguir leve. Eu escolho continuar amando — apesar de tudo.
A ausência e distância do meu pai me ensinou que meu marido deveria ser um possível pai (mesmo que eu não queira ser mãe) que não faça a mesma coisa com minha possível filha. Sintam-se abraçada e que bom que o texto e o peso saíram de você 💛